Sobretudo em alguns fora mediáticos, mas com pouca repercussão na doutrina, vem-se discutindo até que ponto deveria ou não ser eliminada a fase eventual que se segue à primeira fase de investigação (cujo dominus é o juiz de instrução criminal – JIC), chamada inquérito (da competência do Ministério Público – MP), e que visa aferir da correcção de facto e de Direito da decisão de encerramento do inquérito: arquivamento, acusação, suspensão provisória do processo, arquivamento em caso de dispensa de pena e desistência de queixa por via de um acordo de mediação.
O argumento é simples – a tramitação processual portuguesa é longa (e em alguns casos complexa), pelo que nada melhor que passar a existir apenas duas fases processuais: a investigatória e em que, para um despacho de acusação, se exige que tenham sido recolhidos indícios suficientes de que foi o arguido o agente e de que o crime ou crimes foram cometidos (art. 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal português, doravante CPP), por tal se entendendo a possibilidade de elaborar um juízo de prognose póstuma, no momento do encerramento do inquérito, e em que surge ao Procurador da República como mais provável a hipótese de, em audiência de discussão e julgamento, haver uma condenação, ao invés de um arquivamento.
Não está inscrito na natureza das coisas que um qualquer sistema de administração da justiça penal tenha de contar com uma fase que só se abre sob impulso do arguido ou do assistente, conjugando aqui os pressupostos processuais da legitimidade e do interesse em agir, e que visa, como se disse, o escrutínio da decisão de, no caso, outra magistratura, procurando que o arguido não tenha que enfrentar a fase do julgamento, por via de uma decisão de não pronúncia, de suspensão provisória do processo ou do arquivamento em caso de dispensa de pena. Trata-se, portanto, de uma legítima decisão do legislador ordinário que, desta forma, prefere aumentar o tempo das fases preliminares antes de introduzir ou não em juízo mais feitos, ciente de que apenas a constituição como arguido, ainda que processualmente traga mais vantagens ao suspeito, é encarado de uma forma muito diversa pela comunidade no seu conjunto, reforçando o seu efeito estigmatizador, o qual provoca vitimação secundária. Por outro lado, o actual CPP é filho da democracia de 1974 e inaugura uma forma bastante diferente de controlo da fase de investigação, da dedução da acusação e do respectivo controlo. Assim, o legislador foi particularmente criativo em face do quadro subjacente ao CPP de 1929 (com sucessivas alterações, algumas delas já em democracia), sobretudo na decisão de confiar a direcção do inquérito a uma magistratura que, até aí, não tinha exactamente essa função e que, num sistema ditatorial como aquele que Portugal viveu, tinha numa magistratura hierarquizada (como continua a ser) uma longa manus do Executivo.